Alenterra
Há coisas que não se dizem, nem se insinuam. A vida não se diz, dizem. A vida é roupa que não se despe, ou que se despe apenas por uma vez. Há coisas que nem nos segredos devem aflorar. Coisas de nada, mas também outras coisas, densas, plúmbeas, excessivas. Como o remorso, o reverso do acto irreversível. Ou a dor, que mesmo descrita, não passa de retórica aos ouvidos dos outros. Sente‑se na carne, nos ossos, na pele, nas unhas, mas dela nada se pode dizer, porque ela existe para ser sentida nas entranhas. A palavra não a redime, nem a dissolve. Ou o silêncio, a ausência de palavras. Do silêncio não se fala sem o quebrar, sem o dissolver. O silêncio é o casulo da alma, seja ela o que for, esteja onde estiver. O silêncio é o deserto sem sombras, a luz oblíqua, o azul longínquo e quieto. O silêncio é a suprema abstracção, o zero, o nada absoluto. Quebra‑lo é desafiar os deuses. Por isso, dizer o invisível é uma impossibilidade. Restam as minudências, a ganga dos dias, e a banalidade, que é a meta dos medíocres. O que aqui vai é o trivial, pois não se consegue reinventar a vida. O que aqui fica é o pouco, porque não há alma para mais.